Emoções, vulnerabilidade e educação para um ethos democrático em Martha Nussbaum

Autores
Cenci, Angelo Vitório; Petry, Cleriston
Año de publicación
2014
Idioma
portugués
Tipo de recurso
artículo
Estado
versión aceptada
Descripción
Diferentemente do que ocorreu na antiguidade clássica, no contexto contemporâneo o tema das emoções não tem ocupado todo o seu merecido espaço na esfera filosófica e educacional. Sem dúvida, a importância dada às emoções na vida humana foi atestada pelo lugar que lhes fora atribuído na filosofia, poesia, literatura e paideia grega, assim como nas escolas filosóficas helenistas. Temas complexos, angustiantes e decisivos para os seres humanos como o temor à morte, o amor, a compaixão e o sofrimento se faziam claramente presentes em tais tradições e eram situados entre os mais importantes para a vida humana. Tais temas traduziam a tensão antropológica fundamental existente entre a vulnerabilidade, que marca distintivamente o ser humano, e seu anseio por autossuficiência. As emoções se colocam, pois, no centro de um dos âmbitos mais peculiares e complexos da existência humana, qual seja, a própria condição de seres vulneráveis que os humanos são. No atual contexto o trato com as emoções tem sido marcado com frequência por um sentimentalismo reducionista, expresso pela busca ou compra, embalada pela publicidade, de sensações fortes e únicas. O pressuposto desse modo de entender as emoções está em interpretá-las na linha equivocada do “somos emotivos e não racionais” ou na suposição de que “todas as emoções são boas”, razão pela qual deveriam ser deixadas a manifestarem-se livremente tais como são, em sua pretensa pureza. O equívoco aí presente, repleto de implicações educativas, reside em supor que tudo o que brota espontaneamente do indivíduo é bom. Na perspectiva da filósofa norte-americana Martha Nussbaum, as emoções não se reduzem apenas a sentimentos e manifestações do corpo, pois envolvem também crenças, valorações e discernimento sobre as coisas que nos rodeiam. Podem ser positivas, como o amor e a compaixão, ou negativas como a repugnância projetiva. A seu ver, uma adequada educação das emoções tem profundas implicações para a constituição de um ethos democrático e necessita levar devidamente em conta a problemática da vulnerabilidade humana e do anseio de autossuficiência já bem conhecida pelos antigos. Quando entregues ao espontaneismo, ou mal orientadas, as emoções podem resultar em efeitos nefastos, como é o caso da repugnância projetiva de pessoas sobre determinados indivíduos e grupos sociais e da vergonha primitiva. Como lembra a filósofa, a repugnância faz com que certas pessoas sejam escolhidas como animais substitutos para que as outras – dominantes – supostamente se distanciem de aspectos de sua condição animal e da mortalidade que as apavora. De fato, a repugnância, enquanto forte desejo de separação da condição animal dos humanos, tem sido utilizada historicamente como arma poderosa para oprimir e excluir socialmente determinados grupos e pessoas. Nesse sentido, ela é um sinal da necessidade de as emoções serem bem orientadas desde a infância e os processos educativos, formais e informais, teriam um papel indispensável para tal. Quanto à vergonha primitiva, o ponto chave é que a marca do narcisismo infantil é profunda na vida humana e o amor, como seu contraponto, deveria ser entendido em termos de intercâmbio e de reciprocidade ao invés de fusão narcisista e desejo de controle e, nesse caso, o eu é compreendido como humano, ou seja, como incompleto. Por essa razão, a vergonha primitiva é um perigo constante na vida moral e social. Sob o prisma educativo, sua adequada orientação demanda um processo em que a criança vai se tornando capaz de renunciar gradualmente às demandas de completo controle sobre o cuidador ao ver que essas são inapropriadas. Como o campo das emoções é complexo, uma vez que concerne a dimensões profundas do humano e ao próprio modo de sua constituição, não basta focar a tarefa de sua educação somente no esforço dos pais e educadores, o que indiscutivelmente se faz necessário. Na perspectiva de Nussbaum, um ethos democrático somente pode ser constituído socialmente se se desenvolver também “ambientes facilitadores” institucionais, capazes de prevenir hierarquias sociais nocivas. Tais ambientes, enquanto necessários para um bom desenvolvimento das emoções de um cidadão, demandam não apenas um círculo familiar apropriado, mas também instituições políticas e sistemas legais adequados. Por essa razão, o caminho para fazer frente a emoções nocivas a um ethos democrático, como a repugnância projetiva e a vergonha primitiva, passa pelo reconhecimento da debilidade humana e pela aprendizagem de competências práticas, tais como a capacidade ver o mundo a partir da perspectiva do outro, nutrir um genuíno interesse pelos demais sujeitos, fomentar o sentido da responsabilidade individual e desenvolver a imaginação empática, a capacidade de se colocar no lugar do outro. No presente texto partiremos da teoria das emoções de Nussbaum visando discutir a necessidade de bem orientar emoções como a repugnância e a vergonha primitiva para dar conta da educação voltada para um ethos democrático. Após apresentarmos brevemente a relação existente entre emoções e vulnerabilidade humana em sua abordagem teórica, explicitaremos a caracterização que a autora faz da repugnância e da vergonha primitiva enquanto articuladas ao anseio humano de invulnerabilidade. No passo final, exploraremos como uma adequada orientação da vulnerabilidade humana, expressa em tais emoções, ajuda a tematizar indicativos na direção de uma educação das emoções voltada para um ethos democrático.
Fil: Cenci, Angelo Vitório. Universidade de Passo Fundo; Brasil
Fil: Petry, Cleriston. Universidade de Passo Fundo; Brasil
Materia
Educación
Emociones
Filosofía
Enseñanza de la educación
Historia de la educación
Antropología
Vulnerabilidad
Autosuficiencia humana
Nivel de accesibilidad
acceso abierto
Condiciones de uso
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/ar/
Repositorio
RIDAA (UNICEN)
Institución
Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires
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Tais temas traduziam a tensão antropológica fundamental existente entre a vulnerabilidade, que marca distintivamente o ser humano, e seu anseio por autossuficiência. As emoções se colocam, pois, no centro de um dos âmbitos mais peculiares e complexos da existência humana, qual seja, a própria condição de seres vulneráveis que os humanos são. No atual contexto o trato com as emoções tem sido marcado com frequência por um sentimentalismo reducionista, expresso pela busca ou compra, embalada pela publicidade, de sensações fortes e únicas. O pressuposto desse modo de entender as emoções está em interpretá-las na linha equivocada do “somos emotivos e não racionais” ou na suposição de que “todas as emoções são boas”, razão pela qual deveriam ser deixadas a manifestarem-se livremente tais como são, em sua pretensa pureza. O equívoco aí presente, repleto de implicações educativas, reside em supor que tudo o que brota espontaneamente do indivíduo é bom. Na perspectiva da filósofa norte-americana Martha Nussbaum, as emoções não se reduzem apenas a sentimentos e manifestações do corpo, pois envolvem também crenças, valorações e discernimento sobre as coisas que nos rodeiam. Podem ser positivas, como o amor e a compaixão, ou negativas como a repugnância projetiva. A seu ver, uma adequada educação das emoções tem profundas implicações para a constituição de um ethos democrático e necessita levar devidamente em conta a problemática da vulnerabilidade humana e do anseio de autossuficiência já bem conhecida pelos antigos. Quando entregues ao espontaneismo, ou mal orientadas, as emoções podem resultar em efeitos nefastos, como é o caso da repugnância projetiva de pessoas sobre determinados indivíduos e grupos sociais e da vergonha primitiva. Como lembra a filósofa, a repugnância faz com que certas pessoas sejam escolhidas como animais substitutos para que as outras – dominantes – supostamente se distanciem de aspectos de sua condição animal e da mortalidade que as apavora. De fato, a repugnância, enquanto forte desejo de separação da condição animal dos humanos, tem sido utilizada historicamente como arma poderosa para oprimir e excluir socialmente determinados grupos e pessoas. Nesse sentido, ela é um sinal da necessidade de as emoções serem bem orientadas desde a infância e os processos educativos, formais e informais, teriam um papel indispensável para tal. Quanto à vergonha primitiva, o ponto chave é que a marca do narcisismo infantil é profunda na vida humana e o amor, como seu contraponto, deveria ser entendido em termos de intercâmbio e de reciprocidade ao invés de fusão narcisista e desejo de controle e, nesse caso, o eu é compreendido como humano, ou seja, como incompleto. Por essa razão, a vergonha primitiva é um perigo constante na vida moral e social. Sob o prisma educativo, sua adequada orientação demanda um processo em que a criança vai se tornando capaz de renunciar gradualmente às demandas de completo controle sobre o cuidador ao ver que essas são inapropriadas. Como o campo das emoções é complexo, uma vez que concerne a dimensões profundas do humano e ao próprio modo de sua constituição, não basta focar a tarefa de sua educação somente no esforço dos pais e educadores, o que indiscutivelmente se faz necessário. Na perspectiva de Nussbaum, um ethos democrático somente pode ser constituído socialmente se se desenvolver também “ambientes facilitadores” institucionais, capazes de prevenir hierarquias sociais nocivas. Tais ambientes, enquanto necessários para um bom desenvolvimento das emoções de um cidadão, demandam não apenas um círculo familiar apropriado, mas também instituições políticas e sistemas legais adequados. Por essa razão, o caminho para fazer frente a emoções nocivas a um ethos democrático, como a repugnância projetiva e a vergonha primitiva, passa pelo reconhecimento da debilidade humana e pela aprendizagem de competências práticas, tais como a capacidade ver o mundo a partir da perspectiva do outro, nutrir um genuíno interesse pelos demais sujeitos, fomentar o sentido da responsabilidade individual e desenvolver a imaginação empática, a capacidade de se colocar no lugar do outro. No presente texto partiremos da teoria das emoções de Nussbaum visando discutir a necessidade de bem orientar emoções como a repugnância e a vergonha primitiva para dar conta da educação voltada para um ethos democrático. Após apresentarmos brevemente a relação existente entre emoções e vulnerabilidade humana em sua abordagem teórica, explicitaremos a caracterização que a autora faz da repugnância e da vergonha primitiva enquanto articuladas ao anseio humano de invulnerabilidade. No passo final, exploraremos como uma adequada orientação da vulnerabilidade humana, expressa em tais emoções, ajuda a tematizar indicativos na direção de uma educação das emoções voltada para um ethos democrático.Fil: Cenci, Angelo Vitório. Universidade de Passo Fundo; BrasilFil: Petry, Cleriston. Universidade de Passo Fundo; BrasilUniversidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Facultad de Ciencias Humanas. 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No atual contexto o trato com as emoções tem sido marcado com frequência por um sentimentalismo reducionista, expresso pela busca ou compra, embalada pela publicidade, de sensações fortes e únicas. O pressuposto desse modo de entender as emoções está em interpretá-las na linha equivocada do “somos emotivos e não racionais” ou na suposição de que “todas as emoções são boas”, razão pela qual deveriam ser deixadas a manifestarem-se livremente tais como são, em sua pretensa pureza. O equívoco aí presente, repleto de implicações educativas, reside em supor que tudo o que brota espontaneamente do indivíduo é bom. Na perspectiva da filósofa norte-americana Martha Nussbaum, as emoções não se reduzem apenas a sentimentos e manifestações do corpo, pois envolvem também crenças, valorações e discernimento sobre as coisas que nos rodeiam. Podem ser positivas, como o amor e a compaixão, ou negativas como a repugnância projetiva. A seu ver, uma adequada educação das emoções tem profundas implicações para a constituição de um ethos democrático e necessita levar devidamente em conta a problemática da vulnerabilidade humana e do anseio de autossuficiência já bem conhecida pelos antigos. Quando entregues ao espontaneismo, ou mal orientadas, as emoções podem resultar em efeitos nefastos, como é o caso da repugnância projetiva de pessoas sobre determinados indivíduos e grupos sociais e da vergonha primitiva. Como lembra a filósofa, a repugnância faz com que certas pessoas sejam escolhidas como animais substitutos para que as outras – dominantes – supostamente se distanciem de aspectos de sua condição animal e da mortalidade que as apavora. De fato, a repugnância, enquanto forte desejo de separação da condição animal dos humanos, tem sido utilizada historicamente como arma poderosa para oprimir e excluir socialmente determinados grupos e pessoas. Nesse sentido, ela é um sinal da necessidade de as emoções serem bem orientadas desde a infância e os processos educativos, formais e informais, teriam um papel indispensável para tal. Quanto à vergonha primitiva, o ponto chave é que a marca do narcisismo infantil é profunda na vida humana e o amor, como seu contraponto, deveria ser entendido em termos de intercâmbio e de reciprocidade ao invés de fusão narcisista e desejo de controle e, nesse caso, o eu é compreendido como humano, ou seja, como incompleto. Por essa razão, a vergonha primitiva é um perigo constante na vida moral e social. Sob o prisma educativo, sua adequada orientação demanda um processo em que a criança vai se tornando capaz de renunciar gradualmente às demandas de completo controle sobre o cuidador ao ver que essas são inapropriadas. Como o campo das emoções é complexo, uma vez que concerne a dimensões profundas do humano e ao próprio modo de sua constituição, não basta focar a tarefa de sua educação somente no esforço dos pais e educadores, o que indiscutivelmente se faz necessário. Na perspectiva de Nussbaum, um ethos democrático somente pode ser constituído socialmente se se desenvolver também “ambientes facilitadores” institucionais, capazes de prevenir hierarquias sociais nocivas. Tais ambientes, enquanto necessários para um bom desenvolvimento das emoções de um cidadão, demandam não apenas um círculo familiar apropriado, mas também instituições políticas e sistemas legais adequados. Por essa razão, o caminho para fazer frente a emoções nocivas a um ethos democrático, como a repugnância projetiva e a vergonha primitiva, passa pelo reconhecimento da debilidade humana e pela aprendizagem de competências práticas, tais como a capacidade ver o mundo a partir da perspectiva do outro, nutrir um genuíno interesse pelos demais sujeitos, fomentar o sentido da responsabilidade individual e desenvolver a imaginação empática, a capacidade de se colocar no lugar do outro. No presente texto partiremos da teoria das emoções de Nussbaum visando discutir a necessidade de bem orientar emoções como a repugnância e a vergonha primitiva para dar conta da educação voltada para um ethos democrático. Após apresentarmos brevemente a relação existente entre emoções e vulnerabilidade humana em sua abordagem teórica, explicitaremos a caracterização que a autora faz da repugnância e da vergonha primitiva enquanto articuladas ao anseio humano de invulnerabilidade. No passo final, exploraremos como uma adequada orientação da vulnerabilidade humana, expressa em tais emoções, ajuda a tematizar indicativos na direção de uma educação das emoções voltada para um ethos democrático.
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No atual contexto o trato com as emoções tem sido marcado com frequência por um sentimentalismo reducionista, expresso pela busca ou compra, embalada pela publicidade, de sensações fortes e únicas. O pressuposto desse modo de entender as emoções está em interpretá-las na linha equivocada do “somos emotivos e não racionais” ou na suposição de que “todas as emoções são boas”, razão pela qual deveriam ser deixadas a manifestarem-se livremente tais como são, em sua pretensa pureza. O equívoco aí presente, repleto de implicações educativas, reside em supor que tudo o que brota espontaneamente do indivíduo é bom. Na perspectiva da filósofa norte-americana Martha Nussbaum, as emoções não se reduzem apenas a sentimentos e manifestações do corpo, pois envolvem também crenças, valorações e discernimento sobre as coisas que nos rodeiam. Podem ser positivas, como o amor e a compaixão, ou negativas como a repugnância projetiva. A seu ver, uma adequada educação das emoções tem profundas implicações para a constituição de um ethos democrático e necessita levar devidamente em conta a problemática da vulnerabilidade humana e do anseio de autossuficiência já bem conhecida pelos antigos. Quando entregues ao espontaneismo, ou mal orientadas, as emoções podem resultar em efeitos nefastos, como é o caso da repugnância projetiva de pessoas sobre determinados indivíduos e grupos sociais e da vergonha primitiva. Como lembra a filósofa, a repugnância faz com que certas pessoas sejam escolhidas como animais substitutos para que as outras – dominantes – supostamente se distanciem de aspectos de sua condição animal e da mortalidade que as apavora. De fato, a repugnância, enquanto forte desejo de separação da condição animal dos humanos, tem sido utilizada historicamente como arma poderosa para oprimir e excluir socialmente determinados grupos e pessoas. Nesse sentido, ela é um sinal da necessidade de as emoções serem bem orientadas desde a infância e os processos educativos, formais e informais, teriam um papel indispensável para tal. Quanto à vergonha primitiva, o ponto chave é que a marca do narcisismo infantil é profunda na vida humana e o amor, como seu contraponto, deveria ser entendido em termos de intercâmbio e de reciprocidade ao invés de fusão narcisista e desejo de controle e, nesse caso, o eu é compreendido como humano, ou seja, como incompleto. Por essa razão, a vergonha primitiva é um perigo constante na vida moral e social. Sob o prisma educativo, sua adequada orientação demanda um processo em que a criança vai se tornando capaz de renunciar gradualmente às demandas de completo controle sobre o cuidador ao ver que essas são inapropriadas. Como o campo das emoções é complexo, uma vez que concerne a dimensões profundas do humano e ao próprio modo de sua constituição, não basta focar a tarefa de sua educação somente no esforço dos pais e educadores, o que indiscutivelmente se faz necessário. Na perspectiva de Nussbaum, um ethos democrático somente pode ser constituído socialmente se se desenvolver também “ambientes facilitadores” institucionais, capazes de prevenir hierarquias sociais nocivas. Tais ambientes, enquanto necessários para um bom desenvolvimento das emoções de um cidadão, demandam não apenas um círculo familiar apropriado, mas também instituições políticas e sistemas legais adequados. Por essa razão, o caminho para fazer frente a emoções nocivas a um ethos democrático, como a repugnância projetiva e a vergonha primitiva, passa pelo reconhecimento da debilidade humana e pela aprendizagem de competências práticas, tais como a capacidade ver o mundo a partir da perspectiva do outro, nutrir um genuíno interesse pelos demais sujeitos, fomentar o sentido da responsabilidade individual e desenvolver a imaginação empática, a capacidade de se colocar no lugar do outro. No presente texto partiremos da teoria das emoções de Nussbaum visando discutir a necessidade de bem orientar emoções como a repugnância e a vergonha primitiva para dar conta da educação voltada para um ethos democrático. Após apresentarmos brevemente a relação existente entre emoções e vulnerabilidade humana em sua abordagem teórica, explicitaremos a caracterização que a autora faz da repugnância e da vergonha primitiva enquanto articuladas ao anseio humano de invulnerabilidade. 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